Falsas memórias revelando raciocínio matemático
A maneira como memorizamos informações – uma declaração de problema matemático, por exemplo – revela a maneira como as processamos. Uma equipe da Universidade de Genebra, em colaboração com a CY Cergy Paris University (CYU) e a Bourgogne University (uB), mostrou como diferentes métodos de resolução podem alterar a maneira como as informações são memorizadas e até mesmo criar falsas memórias. Ao identificar as deduções inconscientes dos alunos, este estudo abre novas perspectivas para o ensino de matemática. Esses resultados são publicados no Revista de Psicologia Experimental: Aprendizagem, Memória e Cognição.
Lembrar de informações passa por vários estágios: percepção, codificação – a maneira como é processada para se tornar um traço de memória facilmente acessível – e recuperação (ou reativação). Em cada estágio, erros podem ocorrer, às vezes levando à formação de falsas memórias. Cientistas da Universidade de Genebra, CYU e Bourgogne University se propuseram a determinar se a resolução de problemas aritméticos poderia gerar tais memórias e se elas poderiam ser influenciadas pela natureza dos problemas.
Deduções inconscientes criam falsas memórias
Ao resolver um problema matemático, é possível recorrer à propriedade ordinal dos números, ou seja, o fato de que eles são ordenados, ou à sua propriedade cardinal, ou seja, o fato de que eles designam quantidades específicas. Isso pode levar a diferentes estratégias de resolução e, quando memorizado, a diferentes codificações.
Em termos concretos, a representação de um problema envolvendo o cálculo de durações ou diferenças em alturas (problema ordinal) pode, às vezes, permitir que deduções inconscientes sejam feitas, levando a uma solução mais direta. Isso contrasta com a representação de um problema envolvendo o cálculo de pesos ou preços (problema cardinal), que pode levar a etapas adicionais no raciocínio, como o cálculo intermediário de subconjuntos. Os cientistas, portanto, levantaram a hipótese de que, como resultado de deduções espontâneas, os participantes modificariam inconscientemente suas memórias de declarações de problemas ordinais, mas não aquelas de problemas cardinais.
Os participantes têm a ilusão de terem lido frases que
nunca foram realmente apresentados nas declarações
Para testar isso, um total de 67 adultos foram solicitados a resolver problemas aritméticos de ambos os tipos e, em seguida, a relembrar a formulação para testar suas memórias. Os cientistas descobriram que, na maioria dos casos (83%), as declarações foram corretamente lembradas para problemas cardinais. Em contraste, os resultados foram diferentes quando os participantes tiveram que lembrar a formulação de problemas ordinais, como: “A jornada de Sophie leva 8 horas. Sua jornada ocorre durante o dia. Quando ela chega, o relógio marca 11. Fred sai no mesmo horário que Sophie. A jornada de Fred é 2 horas mais curta que a de Sophie. Que horas o relógio mostra quando Fred chega?”.
Em mais da metade dos casos, informações deduzidas pelos participantes ao resolver esses problemas foram adicionadas involuntariamente à declaração. No caso do problema mencionado acima, por exemplo, eles poderiam ser convencidos – erroneamente – de que tinham lido: “Fred chegou 2 horas antes de Sophie” (uma inferência feita porque Fred e Sophie partiram ao mesmo tempo, mas a viagem de Fred levou 2 horas a menos, o que é factualmente verdadeiro, mas constitui uma alteração ao que a declaração indicava).
“Mostramos que, ao resolver problemas específicos, os participantes têm a ilusão de ter lido sentenças que nunca foram realmente apresentadas nas declarações, mas estavam ligadas a deduções inconscientes feitas ao ler as declarações. Eles ficam confusos em suas mentes com as sentenças que realmente leram”, explica Hippolyte Gros, ex-bolsista de pós-doutorado na Faculdade de Psicologia e Ciências Educacionais da Universidade de Genebra, palestrante na CYU e primeiro autor do estudo.
Invocando memórias para entender o raciocínio
Além disso, os experimentos mostraram que os participantes com as falsas memórias eram apenas aqueles que tinham descoberto a estratégia mais curta, revelando assim seu raciocínio inconsciente que os havia capacitado a encontrar esse atalho de resolução. Por outro lado, os outros, que tinham operado em mais estágios, não conseguiram ‘enriquecer’ sua memória porque não tinham realizado o raciocínio correspondente.
“Este trabalho pode ter aplicações para a aprendizagem da matemática. Ao pedir aos alunos que recordem declarações, podemos identificar suas representações mentais e, portanto, o raciocínio que eles usaram ao resolver o problema, com base na presença ou ausência de falsas memórias em sua restituição”, explica Emmanuel Sander, professor titular da Faculdade de Psicologia e Ciências Educacionais da Universidade de Genebra, que dirigiu esta pesquisa. É difícil acessar construções mentais diretamente. Fazê-lo indiretamente, analisando processos de memorização, pode levar a uma melhor compreensão das dificuldades encontradas pelos alunos na resolução de problemas e fornecer caminhos para intervenção em sala de aula.