Monitoramento da biodiversidade: uma câmera incorporada que captura até os organismos mais esquivos
Observe quase qualquer animal ou planta, em qualquer clima, dia ou noite. Isto foi possível graças ao trabalho de uma equipa internacional, liderada por investigadores da Universidade Westlake, na China, em colaboração com o INRAE, que conceberam uma câmara de visão incorporada capaz de analisar imagens em tempo real. O dispositivo é leve e fácil de implantar e foi testado em diversas aplicações diferentes na China. Os pesquisadores conseguiram até capturar imagens noturnas de raposas voadoras (grandes morcegos) polinizando flores Durian. Os resultados, publicados no dia 28 de outubro na revista Methods in Ecology and Evolution, descrevem um novo método automatizado para monitorar a biodiversidade.
Acompanhar a biodiversidade é essencial para a gerir e proteger, mas os investigadores têm muitas vezes dificuldade em monitorizar ou detetar devido ao pequeno tamanho de certas espécies, à sua natureza esquiva ou à inacessibilidade. A tecnologia tornou-se uma ferramenta inestimável para identificar espécies e estudar o seu comportamento. Na verdade, os pesquisadores costumam usar armadilhas fotográficas, que são estrategicamente posicionadas e ativadas por sensores de detecção de movimento acionados pelo calor.
Este tipo de sistema, no entanto, depende de os animais estarem suficientemente próximos ou suficientemente grandes, o que significa que não consegue detectar outros organismos, como insectos (muito pequenos), morcegos (muito rápidos), pássaros (muito longe) ou plantas (imóveis). Além disso, como o gatilho não está relacionado ao conteúdo da imagem, podem ocorrer falsos positivos, por exemplo, se um galho cair, bem como falsos negativos, se o calor ao redor for muito intenso.
Uma nova tecnologia: a câmera de visão incorporada
Uma equipe internacional da Westlake University (Hangzhou, China), em colaboração com o INRAE, desenvolveu uma câmera de visão incorporada capaz de analisar imagens continuamente e em tempo real.
Nesse sistema, a câmera executa algoritmos para extrair informações de imagens ao vivo por meio de reconhecimento de padrões com detecção de movimento e objetos, o que não é possível com armadilhas fotográficas.
Com base nesta tecnologia, a equipe de pesquisa projetou câmeras leves, à prova d’água e alimentadas por bateria que podem ser implantadas em campo. A câmera pode ser equipada com diferentes lentes para variar o ângulo e focar em diferentes organismos. A bateria do aparelho dura vários dias, mas também pode ser conectada a uma bateria externa ou pequenos painéis solares.
Observando o invisível: o exemplo da polinização Durian
Para demonstrar a eficácia deste dispositivo, os investigadores testaram-no em 6 estudos de caso, tanto em regiões temperadas como tropicais da China. Eles foram capazes de detectar automaticamente morcegos voadores e suas presas de insetos, insetos-praga noturnos em arrozais, patos mandarim nadadores, abelhas polinizando flores de colza e cravos florescendo no solo.
O exemplo mais emblemático é o dos morcegos frugívoros polinizando flores Durian. Na ilha de Hainan, no sul da China, os investigadores instalaram a sua câmara de visão incorporada perto de uma árvore Durian durante o período de floração. Embora os morcegos frugívoros sejam conhecidos pelos seus serviços de polinização, não havia nenhuma evidência de que isso ocorresse nesta parte do mundo, o que levou a que as flores fossem polinizadas manualmente para produzir o “rei das frutas” do Sudeste Asiático. A câmera foi instalada por 12 noites consecutivas, permitindo aos pesquisadores obter 122 imagens de morcegos frugívoros, 59 das quais mostravam o mamífero polinizando flores.
O dispositivo comprovou sua eficácia em uma ampla gama de aplicações, desde estudos comportamentais até ecologia paisagística e agronomia. Também pode ser útil para parques naturais, pois o dispositivo pode funcionar sem fonte de alimentação ou conexão à Internet. Foi desenvolvida uma versão comercial do sistema, patenteada na China e disponível internacionalmente. Uma versão para impressão em 3D de acesso aberto está disponível e está sendo desenvolvida pelo pesquisador do INRAE e sua nova equipe de colaboradores e parceiros na França.
Referência:
Darras K., Balle M., Xu W. et al. (2024). Olhos na natureza: câmeras de visão incorporadas para monitoramento multidisciplinar da biodiversidade terrestre. Métodos em Ecologia e Evolução, DOI: https://doi.org/10.1111/2041-210X.14436