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Um ‘resultado falso e fabricado’: questões giram em torno da eleição na Venezuela

Caracas, Venezuela – Um mini-caminhão — com sua caçamba de carga montada como um pequeno palco — desfilou pelas ruas de Caracas, capital da Venezuela, na terça-feira. Ele estava estampado com uma frase simples: “Ele venceu”.

O caminhão transportava o candidato da oposição Edmundo Gonzalez Urrutia, uma das duas pessoas que reivindicaram vitória na eleição presidencial de domingo.

Mas do outro lado da cidade, naquele mesmo dia, um comício do governo contava uma versão diferente dos acontecimentos.

Lá, o atual Nicolás Maduro apareceu na sacada do palácio presidencial de Miraflores para agradecer seus apoiadores por impulsioná-lo à reeleição. Eles se juntaram a ele em uma interpretação do hino nacional.

Ambos os lados afirmaram que tinham triunfado. Mas suas celebrações foram ofuscadas enquanto ondas de protesto e repressão tomavam conta do país.

O procurador-geral da Venezuela, aliado de Maduro, anunciou na terça-feira que 749 “criminosos” foram presos durante as manifestações, sob acusações que vão de terrorismo à obstrução de vias públicas.

O grupo de direitos humanos Foro Penal estimou que 11 pessoas foram mortas até quarta-feira.

Especialistas dizem que a reação violenta do governo Maduro é uma tentativa de reprimir a oposição — e impor os resultados eleitorais desejados.

“Maduro está tentando solidificar a realidade desse golpe”, disse Ryan Berg, diretor do Programa das Américas e chefe da Iniciativa Futuro da Venezuela no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.

Por meio da repressão, explicou Berg, Maduro pretende “garantir que esse resultado falso e fabricado se torne um fato no terreno”.

O presidente Nicolás Maduro discursa com apoiadores no palácio presidencial em Caracas, Venezuela, em 30 de julho [Fernando Vergara/AP Photo]

Dois candidatos, dois resultados

A indignação sobre a eleição contestada começou nas primeiras horas de segunda-feira, quando o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela — uma instituição controlada por partidários do governo — anunciou que Maduro havia prevalecido.

Concedeu 51% dos votos a Maduro, contra apenas 44% para Gonzalez.

Mas, imediatamente, esses resultados despertaram suspeitas. Pesquisas de opinião pública antes da votação sugeriram que Gonzalez tinha uma liderança impressionante: a empresa ORC Consultores, por exemplo, descobriu que Maduro estava atrás de Gonzalez por 47 pontos percentuais.

Depois, houve perguntas sobre a contagem dos votos em si. A CNE não divulgou sua análise usual dos votos de cada seção eleitoral, como havia feito no passado.

Em meio à confusão, a oposição, liderada por Gonzalez e Maria Corina Machado, acusou o governo Maduro de manipular os resultados.

Maria Corina Machado e Edmundo Gonzalez agitam uma bandeira venezuelana no topo de um caminhão cercado por apoiadores em Caracas.
Membros da oposição protestaram em apoio ao seu candidato, Edmundo Gonzalez [Mie Hoejris Dahl/Al Jazeera]

Nos dias seguintes à votação, Gonzalez e Machado também anunciaram que tiveram acesso a mais de 80% das planilhas de contagem das quase 30.000 máquinas de votação usadas na eleição.

Esses resultados, eles disseram, provaram que Gonzalez foi o vencedor, com 67% dos votos, em comparação com 30% de Maduro.

Se for verdade, isso faria da vitória de González a maior em mais de 70 anos — igualada apenas pelas alegações de vitória de Maduro em 2018, em outra disputa marcada por alegações de fraude.

Maduro, no entanto, chamou as alegações da oposição de equivalentes a uma tentativa de derrubar o governo.

“Está sendo feita uma tentativa de impor um golpe de estado na Venezuela novamente, de natureza fascista e contrarrevolucionária”, disse Maduro na TV estatal.

Seu procurador-geral ameaçou emitir ordens de prisão para Machado e Gonzalez. As forças armadas já capturaram um importante líder da oposição, Freddy Superlano, do partido Voluntad Popular, na manhã de terça-feira.

O próprio Maduro prometeu divulgar a contagem completa dos votos da corrida de domingo, embora nenhum cronograma tenha sido definido — e os críticos temem que não se possa confiar no governo para divulgar os resultados fielmente.

Manifestantes levantam o punho em solidariedade e seguram fotos de Edmundo Gonzalez enquanto caminham pelas ruas de Caracas.
A oposição diz que a sua vitória é confirmada pelo grande número de votos que obteve [Mie Hoejris Dahl/Al Jazeera]

Oposição em alvoroço

A turbulência levou os apoiadores da oposição às ruas para denunciar o que consideram uma fraude eleitoral maciça.

Cristian Jose Camacaro Guevara, um designer de 23 anos, está entre eles. Ele mora em Petare, um subúrbio pobre na área metropolitana de Caracas.

Na terça-feira, Camacaro caminhou mais de cinco quilômetros até o bairro nobre de Chacao para apoiar os protestos pró-oposição.

Mas quando ele chegou, as forças que apoiavam o governo de Maduro usaram gás lacrimogêneo para dispersar a multidão, deixando ele e outros sufocados.

“Você se sente estrangulado. Às vezes, você até quer arrancar sua própria pele”, explicou Camacaro. Ele trouxe uma pequena garrafa de água e bicarbonato de sódio de casa para enxaguar seu rosto em chamas.

A fumaça ainda pairava a aproximadamente 200 metros de onde ele estava enquanto falava à Al Jazeera.

Camacaro acrescentou que as forças de segurança do governo não eram a única ameaça enfrentada pelos manifestantes. Ele disse que viu confrontos entre manifestantes e “colectivos” — grupos paramilitares armados que apoiam o governo, frequentemente por meio da violência.

“Eles estão armados e nós não”, explicou Camacaro. Alguns manifestantes foram presos, ele acrescentou. “Alguns até morreram.”

Camacaro expressou ambivalência em relação à oposição: ele disse que não tem certeza se concorda com a agenda política da coalizão.

Mas com a economia da Venezuela continuando a fracassar e a repressão política em andamento, ele acredita que uma mudança de governo é necessária.

De acordo com as Nações Unidas, mais de 7,7 milhões de pessoas deixaram o país desde 2014, fugindo da instabilidade e da escassez de necessidades básicas, como alimentos e medicamentos.

E mais ainda podem sair como resultado das eleições. Em maio, uma pesquisa da empresa Encuestadora Meganalisis perguntou aos eleitores se eles pensariam em migrar se não houvesse mudança no governo.

Mais de 41 por cento disseram que sim. Outros 45 por cento disseram que não sabiam.

A família de Camacaro está entre os que consideram uma saída. Ele disse que seus pais e irmã mais nova têm planos de sair no ano que vem se a situação da Venezuela não melhorar.

“Eles simplesmente não aguentam mais”, ele disse. Ele acrescentou que eles veem a eleição de domingo e os esforços da oposição como “a última chance“ para uma Venezuela melhor.

Cristian José Camacaro Guevara está sob um toldo enquanto a chuva cai nas ruas de Caracas.
Cristian José Camacaro Guevara enfrentou as chuvas na terça-feira para protestar em Caracas, Venezuela [Mie Hoejris Dahl/Al Jazeera]

A controvérsia “não acabou”

Nas próximas semanas, Maduro provavelmente redobrará a repressão, de acordo com Mercedes De Freitas, fundadora e diretora da Transparencia Venezuela, uma agência de combate à corrupção.

“Não vejo isso como um processo pacífico. Vejo muita tensão”, disse De Freitas.

Neste período pós-eleitoral, para atingir seus objetivos, “o governo precisa mostrar que tem poder para reprimir, prejudicar e controlar”, acrescentou De Freitas.

Berg, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, também teme que a Venezuela esteja entrando em um período particularmente perigoso.

Observadores internacionais estão começando a deixar a Venezuela após a eleição. E a comunidade internacional está dividida sobre reconhecer ou não as alegações de vitória de Maduro.

Na quarta-feira, por exemplo, o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador deu uma entrevista coletiva dizendo que não havia “nenhuma evidência” de fraude eleitoral na contagem oficial.

Ele também chamou a Organização dos Estados Americanos — que conduz a supervisão eleitoral — de “tendenciosa”. A organização havia expressado anteriormente preocupação de que havia uma “estratégia coordenada” para “minar a integridade do processo eleitoral” na Venezuela.

O Carter Center, uma das poucas organizações que Maduro permitiu observar as eleições, também ofereceu uma dura repreensão ao governo. Ele culpou as autoridades venezuelanas por uma “completa falta de transparência”.

“Isso certamente não acabou de forma alguma”, disse Berg à Al Jazeera.

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