Incêndios recordes engolfam a América do Sul, trazendo chuva preta, rios verdes e ar tóxico para o continente
A América do Sul está enfrentando incêndios recordes, que levaram à “chuva negra”, rios verdes e riscos poluição do ar quase 50 vezes maior do que o nível recomendado pela Organização Mundial da Saúde, de acordo com a empresa de monitoramento da qualidade do ar IQair.
Entre 1º de janeiro e 16 de setembro, o continente registrou 364.485 incêndios florestaissuperando o recorde de 345.322 incêndios de 2007, segundo dados do Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais e Reuters.
O seca histórica na Amazônia piorou a propagação dos incêndios. Muitos dos incêndios foram atribuídos à atividade humana, mas a seca criou condições favoráveis para sua rápida propagação. Como resultado, 60% do território brasileiro é atualmente afetado pela fumaça.
Incluindo países vizinhos e o Oceano Atlântico, a área impactada pela nuvem tóxica agora abrange 10 milhões de quilômetros quadrados — uma área maior que os Estados Unidos inteiros.
“O qualidade do ar no brasil nunca esteve pior,” Alessandra Fidelisdisse um pesquisador do Laboratório de Ecologia Vegetal da Universidade Estadual de São Paulo, à Live Science.
Natália Gilespecialista em ciências atmosféricas e membro do Departamento de Qualidade do Ar e Emissões do Laboratório Tecnológico do Uruguai, disse à Live Science que houve um declínio progressivo na qualidade do ar em cidades no sul do Brasil, norte da Argentina, Bolívia, Paraguai e nordeste do Uruguai.
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Nas últimas semanas, Gil observou “um aumento significativo” de carbono negro, material particulado e gases como ozônio, óxidos de nitrogênio e monóxido de carbono em cidades tão distantes quanto Buenos Aires, São Paulo, Londrina, Rio de Janeiro, Cochabamba e La Paz. Na capital do Uruguai, Montevidéu, os moradores experimentaram pouca visibilidade por vários dias devido à densa nuvem de fumaça e chuva preta — precipitação que escurece devido à mistura de cinzas e fuligem — registrada em várias partes do país. A mesma situação ocorreu em 11 províncias argentinasincluindo a Área Metropolitana de Buenos Aires.
Em São Paulo, enquanto isso, o Rio Pinheiros ficou verde-esmeralda devido à proliferação de algas desencadeada pela seca severa.
Paulo Saldivapatologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, comparou a fumaça produzida pela queima de biomassa à fumaça de cigarro, observando que ambas contêm substâncias tóxicas que entram no corpo pelos olhos, trato respiratório e pulmões. Em uma metrópole como São Paulo, por exemplo, o nível de poluição veicular e industrial é equivalente a fumar de quatro a cinco cigarros por dia. No entanto, para aqueles expostos à fumaça de incêndios florestais por longos períodos, o impacto é semelhante a “acender um cigarro após o outro”, disse Saldiva.
Mudanças ambientais nas últimas décadas, juntamente com mudanças no uso da terra, alteraram significativamente os regimes de incêndios. Embora o Brasil sempre tenha experimentado estações secas, o número médio de dias consecutivos sem chuva aumentou de 80 para 100 na última décadaindicando uma piora dos impactos relacionados ao clima, observou Fidelis. “A floresta está mais suscetível a queimadas, mesmo com a redução nas taxas de desmatamento. Ela se tornou mais inflamável”, disse Fidelis.
Além das alterações na precipitação, o aumento das temperaturas, da humidade do solo e dos níveis de dióxido de carbono podem influenciar o momento, a extensão, a duração, a frequência e a intensidade dos incêndios, Luis López-Mársicodisse um pesquisador do Instituto de Ecologia e Ciências Ambientais da Universidade da República do Uruguai, à Live Science.
Em grande parte do Brasil, essas mudanças se manifestam em temperaturas mais altas, redução de chuvas e, principalmente, aumento de eventos extremos de seca, que prolongam as chamadas “temporadas de incêndios”.
Tudo isso constitui um “novo normal”, de acordo com Fidelis. “Precisamos começar a reconhecer que estamos lidando com um novo fator que antes pensávamos como um cenário futuro, mas que agora é nossa realidade: a mudança climática”, disse ela.